terça-feira, dezembro 17, 2013

Uma sala muito engraçada.


“Subi as escadas e fui para sala de aula como de costume. Material nos braços, bolsa no ombro. Os alunos, já sem o sono (quer dizer, um pouco menos, porque sono sempre tem, impressionante!) das primeiras aulas, animados com o pós intervalo, não paravam de falar um minuto. A rotina já era conhecida, chama um aqui, outro lá, geralmente os meninos, ou melhor, a gaguega,  que falava mais. Gente, pára por favor? Gente. Pára. EU JÁ FALEI PRA PARAR. –  Breve silêncio. E surgiu a pergunta, com um sorrisinho sarcástico: Você quer ser nossa paraninfa? – Oh sala engraçadinha. Sem saber se morria de ódio ou de alegria, eu me via em mais uma das deliciosas sensações que a profissão de professora me proporciona: a surpresa cotidiana. Os dias nunca eram iguais. Totalmente imprevisíveis. 
A partir daquele convite eu comecei a tentar entender porque tinha sido escolhida. Não era a professora mais legal. Nem a mais inatingível (como o Aymoré). Uma pessoa comum. Professora que alguns detestam, outros gostam, que não sabe fazer piadinha, que nem sempre tá de bom humor. Não via em mim alguém que pudesse ser escolhida para esse momento. Um convite imprevisível. E então, eu percebi que na verdade, tudo fazia muito sentido. Afinal de contas, se existe um adjetivo que pode definir essa sala não seria bem engraçada, mas sim, imprevisível. 
Um dia, parecia que eles não se importavam com nada. No outro, organizavam-se sozinhos com roteiro, figurino e tudo mais para fazer uma sátira nada convencional de Romeu e Julieta – papéis trocados, nada do romantismo usual. Muita palhaçada, daquelas que até Shakespeare aprovaria. Todo mundo diz que o jovem de hoje não lê. Mas nós até montamos um clube do livro. Altas discussões sobre Harry Potter. Tudo bem que foi só um encontro, mas foi bem divertido.  Às vezes, parecia que não havia união, mas nos dias de prova todos eram melhores amigos. Compartilhando tudo, erros e acertos. Jamais me esquecerei das cinco ou mais provas seguidas com a palavra “luxúria” para designar algo luxuoso. Espero que pelo menos vocês tenham aprendido o que realmente significa essa palavra agora. Mas a união existia em momentos que talvez vocês nem percebessem. Como para que quase toda semana tivesse um docinho novo para arrecadar dinheiro para formatura. Para os preparativos da Feijuca. Em terra de futebol, uma sala que jogava vôlei!  Eles até tentaram, mas vencer o time dos professores é muito difícil! Pouco importa quem ganhou ou quem perdeu, o melhor foi dividir o pastel e o guaraná depois.
Vocês queriam parecer desinteressados, mas eu sempre pude contar com vocês para minhas ideias malucas. “Vamos fazer um poema de quase 200 versos? Vamos”, “Vamos ensaiar e cantar uma música para o próprio compositor dessa mesma música? Vamos”, “Vamos fazer um trecho em prosa, com todas as pessoas da sala, no formato de um carrossel? VAMOS!” – sem pestanejar. E ainda deram asas às minhas ideias, querendo coloca-las em bexigas com gás hélio. As minhas e as de outros professores também, afinal, quem foi a primeira sala a fazer um dia de rádio na escola? Com muito rock n’roll. Que orgulho! (aliás, era até difícil chegar à sala e ter que desligar o rockzinho que sempre estava rolando no pós- intervalo) Também me lembro de como vocês compraram “minha briga”, entre aspas, nas redes sociais. Eu tive até que acalmar os ânimos. Aliás, se tem algo que definitivamente une essa sala é uma boa briga. Eles vão mesmo, de peito aberto. Desde que a causa valha a pena. Brigas que valem a pena, causas que valem a pena. Como não lembrar com ternura da campanha para ajudar o lar dos velhinhos e APAE. Um pequeno gesto para mudar o mundo. E como era bonito de ver quando vocês conseguiam deixar o celular de lado pelo desejo de mudar o mundo a cada aula que a literatura que nos levava a discutir os mais diversos assuntos. E como, para vocês, essas aulas às vezes tinham mais valor do que os módulos da apostila que eu SEMPRE demorava para terminar. Assim como as provas, que demoravam para voltar corrigidas e já era motivo de piada pronta. Com uma sinceridade que quase dói. Como quando eu soube que fui votada para paraninfa só no segundo turno. Era verdade, fazer o que? Tudo isso com um humor que eu admiro, ácido, irônico. Como esquecer a nossa piadinha interna do “grêmio estudantil Arthur da Costa e Silva”? E tudo é intensamente verdadeiro com eles. Inclusive os bons sentimentos que eles se recusam a admitir. A delicadeza de um bolinho de aniversário,  a acolhida dos novos amigos, a delicadeza de uma rosa de agradecimento,  a insistência para que todos nós professores (e até a mamãe!) estivéssemos com vocês dentro da fonte do colégio, mesmo de sapato e calça jeans.
E depois de repassar todas essas memórias, um dos nossos momentos mais cúmplices voltava à minha cabeça, então uma certa paródia, ficou assim:
“Era uma sala muito engraçada. Achava que não tinha união. Mas quando a prova chegava todos viravam irmãos. Irmãos que compartilham o cafezinho. Que fazem vaquinha para vender o docinho. E, ai, de quem não pagasse os três reais, porque o Luís não deixaria em paz! Era uma sala que tinha opinião e nem tinha medo de falar, não. Acabou o terceirão, mas ‘as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão”
Aqui termina a minha história. A nossa história. E agora vocês vão escrever novas histórias. Quando a saudade bater, pode voltar. As portas estarão sempre abertas. Sempre terá aquele cafezinho na sala dos professores que vocês costumavam pegar escondidos. E eu estarei sempre torcendo para que vocês sejam muito felizes.
Esta é minha última aula. E a minha última lição é: olhem uns para os outros, lembrem-se de tudo o que vocês viveram juntos, abracem-se, daqueles abraços bem apertados de perder o ar. Esqueçam as diferenças. Essa noite vai passar tão rápido, aproveitem cada instante. Perdoem o que tiver que perdoar, agradeçam pelo que tiver que agradecer. E divirtam-se muito. Que sempre haja tempo para os amigos. Quem sempre haja voz, quando algo incomodar. Que sempre haja coragem, para mudar de ideia. Para ser o que se quer ser. Que continuem a brigar, quando a luta valer a pena. Leiam, leiam muito!  Voem alto. Vivam intensamente. Rendam-se. Que sempre possam surpreender. Encantar. Pela verdade e pela sinceridade. E que sejam sempre, imprevisíveis.

Obrigada pelo convite, obrigada pelo carinho e um beijo enorme para cada um de vocês, com carinho e saudades antecipadas, amo vocês! 

Sue 

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