sábado, abril 18, 2009

O amor sem remédios e o remédio do amor

É uma pena que esse sermão do Pe. Antônio Vieira não seja um dos mais comentados em sala de aula. Nem mesmo na faculdade, onde tive praticamente um curso inteiro sobre Vieira, falamos sobre ele. Reconheço que os outros tratam de temas mais polêmicos, envolvem política, a crítica a Igreja, a sociedade, enfim, temas considerados "importantes". Mas o que eu realmente gosto na literatura é quando percebemos o quão humana ela é. Como ela é capaz de transformar coisas banais em motivo de reflexão, de como ela é capaz de mudar o nosso olhar para com as coisas do Mundo.. Pois nesse sermão Vieira vai falar sobre o amor sem remédios e o remédio do amor, ele anuncia o início do evengelho dizendo que muitos dos que estão ali buscam a cura de uma efermidade. Assim sendo, o amor também é uma efermidade e como todas as outras coisas, há de se remediar. Qualquer outro diria que as dores de amor são mínimas perto das grandes enfermidades.. mas.. pensemos, de todos que estão em uma Igreja, quantos não sofrem da enfermidade do amor? Posso garantir que muitos não têm lá grandes enfermidades para pedir por ela, mas não há aquele que nunca tenha enfrentado a famosa dor de amor.. que inspira poetas, que melodia músicas e aflige humanos.

Assim, falando sobre os remédios para o amor, Vieira nos lembra que há aquele que é o amor sem remédios.. o amor perfeito, que resiste a todas essas remediações: o Amor de Cristo.
Ahh se todos os padres, pastores, guias espirituais, whatever, fossem como Vieira.. que a Igreja é um lugar pra tratar de assuntos divinos sim, mas também, de assuntos humanos. E que os dois podem conviver!

Vejamos então um pouco do que ele disse:
(...) O primeiro remédio que dizíamos é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos. Baste por todos os exemplos o do amor de Davi.
O que era desejo se trocou subitamente em dor; o que era cegueira, em luz; o que era gosto, em lágrimas; e o que era amor, em arrependimento. E se tanto pode um ano, que farão os muitos?
Estes são os poderes do tempo sobre o amor. Mas sobre qual amor? Sobre o amor humano, que é fraco; sobre o amor humano, que é inconstante; sobre o amor humano, que não se governa por razão, senão por apetite; sobre o amor humano, que, ainda quando parece mais fino, é grosseiro e imperfeito.


Bem, mas aqueles que sofrem sabem como é custoso esperar as ações do tempo. Comparando o amor a qualquer enfermidade, hum.. vejamos, a gripe! Sim, a gripe.. sabemos que para sarar de uma gripe é preciso esperar.... uma semana ou menos. Mas apenas esperar, pra que ela passe. Ora, e tudo que pensamos é: falta muito pra passar? Então, o tempo é eficaz, mas é sofrido. Será que não teria algo mais rápido, Viera?


(...) O segundo remédio do amor é a ausência. Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. À sepultura chamou Davi discretamente terra do esquecimento: Terra oblivionis (Sl. 87, 13). E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Seguiu Pedro a Cristo de longe, e deste longe que se seguiu? Que aquele que na presença o defendia com a espada, na ausência o negou e jurou contra ele. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. (6)E a ausência também se há de definir pela morte, posto que seja uma morte de que mais vezes se ressuscita. Vede-o nos efeitos naturais de uma e outra. Os dois primeiros efeitos da morte são dividir e esfriar. Morreu um homem, apartou-se a alma do corpo: se o apalpardes logo, achareis algumas relíquias de calor; se tomastes daí a um pouco, tocastes um cadáver frio, uma estátua de regelo. Estes mesmos efeitos ou poderes têm a vice-morte, a ausência. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.


A ausência. O que mais o ser humano teme, é cair no esquecimento. Comparar a ausência à morte, assusta. Mas convenhamos, sabemos que acostumamos com aquilo que não temos mais. Tudo se esfria. Mais rápida que o tempo, a ausência ainda deixa resquícios no coração daqueles que amam.. ambas deixam motivos para que volte-se a amar. Novamente, a gripe. Ela passa, mas pode voltar não é mesmo? Será que há algo mais definitivo?

(...)O terceiro remédio do amor é a ingratidão. Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.
E se a ingratidão ressuscita o aborrecimento até nos mortos, como achará amor nos vivos? (...)


Bem, a Ingratidão parece mesmo muito eficaz!!! Nada melhor do que quando não há mais motivos para amar, quando percebe que simplesmente o ser amado não merece o amor. Mas será então que não há uma alternativa menos dolorida para o amor? Sempre deve ser sofrido, doloroso..com separações, rancores, cicatrizes. Será que há uma esperança?

(...)É pois o quarto e último remédio do amor, e com o qual ninguém deixou de sarar: o melhorar de objeto. Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. O mesmo lhe sucede ao amor, por grande e extremado que seja. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.


Depois de convercer-se de que sarar dessa enfermidade não é nem um pouco fácil (sim, ele me convenceu! rs) Eis uma luz. Melhorar de objeto. Encontrar outro amor. Maior, por consequência, melhor. Capaz de fazer com o que o outro se torne menor, se apague, suma, desapareça. Bem, se é tão bom amar, se é tão bom sentir esse sentimento, não há mesmo melhor remédio para o amor do que outro amor, e o melhor de tudo, não é sofrido. Parece perfeito, não?
A única coisa que o Viera não soube explicar, e nem ele e nem ninguém, é se é possível escolher.
Resta-nos torcer, para poder padecer do melhor de todos os remédios!

2 comentários:

Diegovj disse...

Tema muito bom, e controverso tb...mas oq não é nessa vida, né?

Bjos!

Du Santana disse...

Então se substituirmos nosso "imenso" amor, por um amor maior ainda, esse será motivo de esquecimento da dor?

Mas que amor pode ser maior do que o que agente sente na hora em que está se manifestando...

Vc fala muito bem quando diz que o amor de Cristo é maior, maior que o maior dos amores, porém esse amor é sentido por Ele, nós seres humanos, conseguimos com perfeição deixar esse amor divino em segundo plano.
Já confundi paixão com amor e agora percebi, que só amando a deus haverá cura para amar os homens!

seu blog está entre meus favoritos, toda vez que veno aqui lembro pq. ^^